segunda-feira, 14 de maio de 2012

História cômica sobre um produto que serve como equivalente geral

O dinheiro ainda não foi inventado e um sol de primavera amanhece sobre Lisboa. Desço à beira do cais e tenho uma súbita vontade de comprar um peixinho para o almoço. Na mão direita levo três maços de cigarros e entro no mercado. Chego à banca do peixe e pergunto à mulher:
- Oi, Tia Maria, quanto está o peixe?
- Um litro de azeite por quilo de peixe.
- E por acaso não aceita também três maços de cigarros?
Desolada, a mulher me responde:
- Eu não fumo, meu senhor...
Como eu quero um quilo de peixe, trato de procurar o azeiteiro. Encontro-o num dos cantos do mercado e lhe pergunto:
- Quanto vale o litro de azeite, ó tio?
- Vale cinco quilos de batata o litro.
- O senhor não aceita três maços de cigarros por um litro?
- Também podia ser. Mas tabaco já tenho para mais de uma semana. Do que eu preciso agora é de batatas.
Como quero um quilo de peixe trato de procurar a moça das batatas. Ela é uma mulher muito bonita e lhe pergunto:
- Quanto vale a batata, ó minha flor?
- Vale um garrafão de vinho tinto por cinco quilos, ó simpático...
- E tu não tens namorado, ó rosto bonito?
- E o que é que isso interessa, ó meu boneco?
- É que se tivesses, arranjava-te um presente para ele: três maços de cigarros...
- Ó filho, também pode ser! Venham de lá os três maços e leva daí os cinco quilos de batatas.
Agarro as batatas e vou trocá-las por um litro de azeite. Agarro o azeite e corro para a banca do peixe.
- Oi, Tia Maria, já tenho aqui o azeite! Pese lá um quilo de peixe...
- Azeite? Eu já não preciso de azeite, meu senhor! Já tenho azeite para mais de um mês...Do que eu preciso agora é de queijo fresco. Um quilo de peixe por um quilo de queijo fresco. Um quilo de peixe por um quilo de queijo fresco, ó freguês!
Entretanto o mercado já estava fechando.
Fui para casa.
Durante toda a tarde fiquei olhando muito desconsolado para a garrafa de azeite e nem ao menos tinha um cigarro para espairecer.

Comentário
História cômica para evidenciar como a ausência de um equivalente-geral dificulta a troca de mercadorias. O equivalente-geral é também uma mercadoria. Nesta história se, por exemplo, o azeite funcionasse como equivalente-geral, quem fosse ao mercado trocava o que levava por azeite e depois trocava o azeite pelo que precisava. A não ser que precisasse apenas de azeite... O azeite, desta forma, para além de ser um produto com o seu específico valor de uso, seria ainda a moeda, a mercadoria ante a qual todas as outras exprimem os seus respectivos valores (de troca). O azeite, para além de poder continuar a regar o bacalhau com batatas, seria também o equivalente-geral, a moeda, o dinheiro. Mas como a moeda também é uma mercadoria, o seu próprio valor (de troca) também é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produzir. Se nesta história o azeite funcionasse como moeda, podíamos organizar a seguinte lista dos preços que, neste dia, vigoravam no mercado:

1 maço de cigarros = 0,33 litro de azeite
1 quilo de peixe      = 1,0   litro de azeite
1 quilo de batatas   =  0,2   litro de azeite
1 garrafão de vinho=  1,0   litro de azeite

Podemos, pois, definir o preço de uma mercadoria como a expressão monetária do valor de troca dessa mercadoria.
Em cada época, cada sociedade teve os seus equivalentes-gerais. Foram sal, o chá, as peles, o gado, os cereais, etc. Com a revolução metalúrgica e o desenvolvimento do comércio internacional, os objetos metálicos começaram a ser usados como equivalentes-gerais. E depois, não mais os objetos mas os lingotes do próprio metal. Ora o metal que mais resiste ao desgaste e à oxidação é o ouro. O ouro é também facilmente divisível e os fragmentos podem ser facilmente refundidos. Além do mais, o seu valor é relativamente estável porque, em milênios, pouco se avançou na técnica da sua extração. Ou seja: pouco variou, em milênios, o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir um quilo de ouro. Há ainda a acrescentar que o ouro tem um peso específico elevado, o que permite que, num pequeno volume, se possa concentrar elevado valor de troca: circunstância que facilita o seu transporte a longas distâncias.
Por tudo isto, o ouro acabou por ser um equivalente-geral internacionalmente reconhecido.

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