sábado, 5 de maio de 2012

O Pensamento Único - Ignácio Ramonet

Aprisionados. Nas democracias atuais, mais e mais cidadãos livres se sentem aprisionados, dominados por uma espécie de doutrina viscosa que, insensivelmente, envolve todo raciocínio rebelde, o inibe, o pertuba, o paralisa e termina por o asfixiar. Esta doutrina é o pensamento único, que detem autorização exclusiva de uma opinião invisível e onipresente.

Depois da queda do muro de Berlim, do colapso dos regimes comunistas e da desmaterização do socialismo, a arrogância e a insolência deste novo Evangélio atingiram um tal grau que se pode, sem exagero, qualificar este furor ideológico de dogmatismo moderno.

O que é o pensamento único. A tradução em termos ideológicos com pretensão universal dos interesses de um conjunto de forças econômicas, em particular aquelas do capital internacional. Ela foi capital internacional. Ela foi, por assim dizer, formulada e definida em 1944, por ocasião de acordos de Bretton-Woods. Suas principais fontes são as grandes instituições econômicas e monetárias - Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial de Comércio, Comissão Européia, os bancos centrais, etc. - que, com seus financiamentos, arregimentam ao serviço de suas idéias, através de todo o planeta, numerosos centros de pesquisa, iniversidades, fundações, as quais, por sua vez, aprimoram e difundem a boa palavra.

Este discurso anônimo é retomado e reproduzido pelos principais orgãos de informação econômica, e principalmente pela "biblias" dos investidores e dos especuladores - The Wall Street, Financial Times, The Economist, Far Eastern Economic Reviw, les Echos, etc. - propriedades, frequentemente, de grandes grupos industriais ou financeiros. Por toda parte, faculdades de ciências econômicas, jornalistas, ensaistas, políticos enfim, retomam os principais mandamentos destas novas tábuas da lei e, através dos grandes meios de comunicação de massa, repetem-as até a saciedade. Compreendem corretamente que, em nossas sociedades midiáticas, a repetição vale como demonstração. 

O econômico se impõe


O primeiro princípio do pensamento único é tão forte que um marxista distraído não o renegaria: o econômico se impõe sobre o político. É baseando-se em tal princípio que, por exemplo, um instrumento tão importante nas mãos do executivo como é o Banco da França foi, sem oposição significativa, tornado independente em 1994e, de alguma forma, "colocado ao abrigo dos azares políticos". "O Banco da França é independente, apolítico e transpartidário", afirma seu governador, Jean Claude Trichet, que entretanto acrescenta: "Nos solicitamos a redução dos déficits públicos", e "prosseguiremos com uma estratégia monetária estável" (Le Monde, 17/12/1994). Como se esses dois objetivos não fossem políticos!


Em nome do "realismo" e do "pragmatismo" que Alain Minc formula da seguinte maneira: "O capitalismo não pode colapsar, é o estado natural da sociedade. A democracia não é o estado natural da sociedade. O mercado, sim." (Cambio 16. 5/12/1994) - a economia é colocada no lugar de comando. Uma economia desembaraçada do obstáculo do social, que caminha por sí, uma espécie de ganga patética cujo peso seria causa de regressão e de crise.

Ídolo


Os outros conceitos chaves do pensamento único são conhecidos: o mercado, ídolo cuja "mão invisível corrige as asperezas e as disfunções do capitalismo", e particularmente dos mercados financeiros, cujos "sinais orientam e determinam o movimento geral da economia"; a concorrência e a competividade, que "estimulam e dinamizam as empresas, conduzindo-as a uma permanente e benéfica modernização": o livre-comércio sem limites, "fator de desenvolvimento initerrupto do comércio, e portanto das sociedades"; a globalização tanto da produção manufatureira quanto dos fluxos financeiros; a divisão internacional do trabalho, que "modera as reivindicações sindicais e abaixa os custos salariais"; a moeda forte, "fator de estabilização"; a desregulamentação: a privatização; a liberalização, etc. Sempre menos Estado, uma arbitragem constante em favor dos rendimentos do capital em detrimento daquele do trabalho. E uma indiferença para com o custo ecológico.


Este catecismo é constante repetido em todas as mídias, por quase todos os políticos, tanto de direita como de esquerda - conhece-se a célebre resposta de Dominique Strauss-Kahn, ministro socialista da indústria, à questão "O que é que vai acontecer se a direita ganhar", ao que le afirma: "Nada. Sua política econômica nâo será muito diferente da nossa" (The Wall Street Journal Europe, 18/3/1993). Isso lhe confere uma tal força de intimidação que ela asfixia toda tentativa de reflexão livre e torna muito difícil a resistência contra este novo obscurantismo.


Chega-se quase a se considerar que os 17,4 milhões de desempregados europeus, o desastre urbano, a precarização geral, a corrupção, os bairros populares em chamas, a pilhagem ecológica, o retorno dos racismos, dos integralismos e dos extremismos religiosos e a maré de excluídos são simples miragens, alucinações culpáveis, muito discordantes neste melhor dos mundos que edifica, para nossa consciências anestesiadas, o pensamento único.


Ignacio Ramonet é o diretor do Le Monde Diplomatique. Este artigo é o editorial do número de janeiro de 1995.


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